A atuação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), como relator de processos envolvendo Jair Bolsonaro e outros acusados na tentativa de golpe de Estado, tem gerado controvérsias no meio jurídico. Juristas consultados pelo jornal "O Estado de S. Paulo" apontam que a condição de Moraes como vítima em algumas dessas ações pode comprometer a imparcialidade do julgamento e abrir espaço para questionamentos sobre a validade das decisões tomadas no âmbito desses processos.
O debate sobre a continuidade de Moraes na relatoria ganhou força após sua relação direta com os eventos relacionados ao 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram as sedes dos três poderes em Brasília. O ministro, que foi alvo de ataques por parte de apoiadores do ex-presidente, se vê como uma das vítimas no contexto dos eventos, o que levanta discussões sobre sua capacidade de agir com imparcialidade em relação aos acusados, incluindo Bolsonaro.
Para Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), o afastamento de Moraes da relatoria seria uma medida prudente para preservar a imagem do STF. Ele argumenta que a presença do ministro nesse processo pode gerar desconfiança sobre a imparcialidade da corte e comprometer sua credibilidade, especialmente em um momento de grande polarização política. “É de toda prudência que o ministro se afaste da relatoria, para que o tribunal não fique sob suspeita. Isso preservaria mais a imagem da instituição”, afirmou Sampaio.
Wálter Maierovitch, ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, também se mostrou crítico à situação, apontando o risco de um conflito de interesses. Para ele, a posição de Moraes como vítima e julgador no mesmo processo é inaceitável. “Como o Brasil vai ser visto internacionalmente com um juiz que é vítima e julgador? Isso é estarrecedor para quem atua no direito processual”, afirmou Maierovitch, reforçando a necessidade de evitar qualquer percepção de parcialidade ou favorecimento em casos tão emblemáticos.
Marcelo Crespo, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), endossou a opinião de outros juristas, ressaltando que o afastamento de Moraes seria uma maneira de proteger o Supremo Tribunal de possíveis questionamentos no futuro. “Esse afastamento seria um resguardo para o STF, evitando que o tribunal seja alvo de ataques e críticas pela aparência de parcialidade”, destacou Crespo.
Entretanto, nem todos os ministros do STF compartilham da mesma opinião. Gilmar Mendes, um dos principais aliados de Moraes na corte, defendeu a permanência do ministro na relatoria. Mendes argumentou que a situação em que Moraes se encontra não deveria ser motivo para afastá-lo do processo, afirmando que ele está apenas cumprindo seu papel institucional. "Desde sempre, o ministro Moraes tem sido o relator desse processo. Afastá-lo seria absurdo. Ele é vítima por cumprir seu papel institucional, não por uma relação pessoal com os réus", afirmou Mendes.
Embora haja um consenso entre muitos juristas de que a presença de Moraes como relator em casos nos quais ele é diretamente envolvido pode ser problemática, a decisão final sobre o afastamento do ministro depende do próprio STF. A corte tem demonstrado resistência em alterar essa dinâmica, e a mudança exigiria uma leitura política do momento, algo que, até agora, não parece ser uma prioridade entre os ministros.
A situação atual também reflete um momento delicado para o Supremo, que se vê em uma posição em que sua imparcialidade pode ser questionada por diversos setores da sociedade. A tentativa de golpe de Estado de 2023 trouxe à tona divisões políticas e confrontos ideológicos intensos, com a figura de Jair Bolsonaro sendo central em boa parte dos debates. Em um cenário tão polarizado, qualquer decisão tomada pelo STF, especialmente em relação a um ex-presidente da República, tende a ser amplamente discutida e contestada.
O clima de incerteza é alimentado pela percepção de que o "sistema" judicial pode tentar criar uma narrativa para enfraquecer a defesa de Bolsonaro, com a oposição argumentando que há um desejo de punir o ex-presidente de qualquer maneira. Essa ideia, amplamente discutida em certos círculos políticos, sugere que a condução dos processos tem como objetivo buscar uma condenação a todo custo, independentemente das circunstâncias que envolvem o julgamento.
Por enquanto, a situação permanece em aberto, com o STF encarando uma questão difícil sobre o papel de Alexandre de Moraes como relator e a possível implicação disso para o futuro do processo. A forma como a corte lidará com essas críticas será determinante para a continuidade do processo e para a confiança da população nas decisões tomadas pelos ministros do Supremo.