Mauro Cid, o vazamento e a “preguiça” da imprensa “oficial”, quando o assunto deveria ser outro

Caio Tomahawk


O recente vazamento de trechos da delação premiada de Mauro Cid reacendeu o debate sobre o que, de fato, é relevante na cobertura jornalística brasileira. Enquanto parte da grande imprensa se debruça sobre supostas tramas golpistas, pouco se discute o verdadeiro impacto desse vazamento e as motivações que o cercam. A narrativa construída sobre a existência de um complô para destruir a democracia desde 2019 parece mais uma peça cuidadosamente montada do que um fato comprovado.

O tratamento dispensado ao episódio segue um padrão já conhecido. Elementos diversos são entrelaçados para criar a impressão de um plano orquestrado, que envolveria desde a posse de joias até questionamentos sobre o sistema eleitoral. O caso de Mauro Cid insere-se nesse contexto, reforçando uma visão unilateral dos acontecimentos. Mas o que realmente salta aos olhos é a insistência em dar destaque a essas alegações enquanto outras questões cruciais são negligenciadas.

A ascensão de Bolsonaro em 2018 e a consequente queda do PSDB parecem ter sido um divisor de águas dentro do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. A derrota fragorosa de Geraldo Alckmin, que conquistou apenas 4% dos votos, marcou uma mudança de eixo na política nacional, tornando Lula e o PT os únicos aliados viáveis do establishment. O fortalecimento dessas instituições se deu de maneira simultânea ao aumento da vigilância sobre figuras associadas ao bolsonarismo, levando à criminalização de qualquer debate que destoasse da narrativa oficial.

O vazamento de trechos da delação de Mauro Cid reforça a suspeita de que o relatório da Polícia Federal foi elaborado com um objetivo claro: associar determinados nomes ao suposto golpe. A busca por culpados parece se sobrepor à necessidade de apresentar provas concretas. O episódio traz à tona um aspecto preocupante da atual conjuntura política: a transformação de conversas privadas e opiniões individuais em elementos de prova para sustentar acusações.

Nos meses que se seguiram às eleições de 2022, era comum ouvir discussões acaloradas sobre os rumos do país em qualquer ambiente público. Milhões de brasileiros manifestaram descontentamento com a condução do processo eleitoral e com a falta de transparência na apuração. A insatisfação popular não era um fenômeno isolado, mas uma realidade palpável que se refletia nas ruas e nas redes sociais. A grande mídia, no entanto, optou por ignorar esse contexto e focar apenas na narrativa de que um golpe estaria em curso.

A diferença entre confiabilidade e transparência nunca foi tão evidente. Enquanto as autoridades insistem na segurança do sistema eleitoral, uma parcela significativa da sociedade questiona a falta de abertura no processo de apuração. A sensação de que há algo a ser escondido se intensifica diante do sigilo e da censura impostos a qualquer tentativa de debate. O povo sente que há algo errado quando percebe que suas preocupações não são levadas em consideração.

O fato de pessoas próximas ao então presidente discutirem esses temas com ele não deveria ser tratado como crime. Trata-se de uma reação natural diante de um cenário de incerteza e desconfiança. Expressar preocupações, compartilhar temores e avaliar possibilidades faz parte da dinâmica política, especialmente em momentos de crise. Criminalizar tais diálogos equivale a restringir o direito à liberdade de pensamento e de expressão, elementos essenciais em qualquer democracia.

O verdadeiro perigo não está na suposta conspiração revelada por Mauro Cid, mas na forma como a democracia vem sendo interpretada por aqueles que deveriam protegê-la. O conceito de Estado de Direito não pode ser manipulado conforme as conveniências do momento. Quando se usa o aparato estatal para silenciar adversários e restringir debates legítimos, o risco de retrocessos institucionais se torna real.

Ao insistir em pautar o caso Mauro Cid como um escândalo central, a imprensa desvia a atenção de questões que realmente merecem ser discutidas. O avanço da censura, a limitação do debate público e a instrumentalização das instituições para fins políticos são temas que deveriam estar no centro do debate nacional. Mas, em vez disso, opta-se por reforçar narrativas que atendem a interesses específicos.

A democracia não se fortalece com a supressão de direitos, nem com a criminalização do pensamento divergente. Um sistema verdadeiramente democrático se constrói sobre o respeito à pluralidade de ideias e à transparência nas instituições. O que se vê hoje, no entanto, é um movimento na direção oposta, onde a defesa da democracia se confunde com a imposição de um pensamento único.

No final das contas, a questão central não é o que foi dito por Mauro Cid, mas sim o que está sendo feito em nome dessa delação. A verdadeira ameaça não está nas conversas reveladas, mas na forma como elas estão sendo usadas para moldar um cenário político cada vez mais restritivo. Esse, sim, deveria ser o verdadeiro assunto.

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