É esdrúxulo um presidente na UTI seguir no cargo, diz Cantanhêde

Gustavo Mendex


 A polêmica envolvendo a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de permanecer no cargo enquanto enfrenta problemas de saúde tem gerado intensos debates no cenário político brasileiro. Durante sua internação na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, o presidente foi submetido a cirurgias no cérebro e enfrentou períodos sob anestesia geral. Apesar disso, Lula optou por não transferir temporariamente a presidência ao vice, Geraldo Alckmin, uma escolha que provocou críticas de analistas e políticos.


A jornalista Eliane Cantanhêde, comentarista política da GloboNews, classificou a decisão como "esdrúxula". Para Cantanhêde, é inusitado e inadequado que um chefe do Executivo permaneça no cargo em meio a um quadro de saúde tão delicado, que exige cuidados intensivos. Segundo a analista, a situação é desconcertante do ponto de vista constitucional e institucional, especialmente considerando que o Brasil vive um momento de relativa estabilidade política.


Durante a edição da Central GloboNews desta quinta-feira (12), Cantanhêde argumentou que a transmissão temporária de poder é uma prática prevista na Constituição e deveria ser encarada como uma medida de precaução, não como um sinal de fraqueza ou de agravamento da condição de saúde do presidente. Ela especulou que a resistência de Lula e de sua esposa, Janja da Silva, em ceder o cargo temporariamente pode estar relacionada ao receio de criar uma percepção pública de gravidade maior do que a real.


“A Janja pode até ter pensado que, se o presidente passasse o cargo, isso alimentaria especulações sobre o estado de saúde dele. Mas o Brasil não está vivendo uma crise institucional. Não estamos na época de Tancredo Neves, em que informações sobre a saúde presidencial eram omitidas. Hoje, existe transparência, e a transferência de poder deveria ser vista como um gesto de responsabilidade”, afirmou Cantanhêde.


Além disso, o caso trouxe à tona comparações com situações históricas. Durante a transição democrática na década de 1980, o então presidente eleito Tancredo Neves enfrentou sérias complicações de saúde que culminaram em sua morte antes de tomar posse. Naquele período, a falta de clareza sobre sua condição gerou uma crise de confiança no país. A diferença, segundo Cantanhêde, é que hoje o Brasil dispõe de instituições sólidas e mecanismos legais para lidar com situações desse tipo.


A postura de Lula também foi criticada por figuras do meio político. Deputados questionaram publicamente a razão pela qual o presidente não delegou suas funções ao vice. Para muitos, a decisão demonstra falta de compromisso com a transparência e o respeito às normas constitucionais. Outros, no entanto, argumentaram que a continuidade do mandato, mesmo durante o tratamento, é uma demonstração de força e resiliência do presidente.


Enquanto isso, aliados do governo se apressaram em minimizar a situação. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, declarou que Lula está lúcido e segue despachando da UTI. Ele garantiu que o presidente está tomando decisões importantes e que sua recuperação tem sido satisfatória. Costa também pediu paciência à população, afirmando que Lula em breve estará em condições plenas de reassumir suas funções de forma presencial.


Geraldo Alckmin, por sua vez, evitou polemizar. O vice-presidente declarou à imprensa que confia na recuperação do presidente e que está pronto para assumir as responsabilidades, caso seja necessário. Ele também ressaltou a importância de respeitar as decisões de Lula e sua equipe médica, reforçando que a saúde do presidente é a prioridade máxima.


Nos bastidores, especula-se que a escolha de Lula reflete sua aversão à ideia de parecer vulnerável em um momento delicado de sua gestão. Líder de um governo que enfrenta pressões tanto da oposição quanto de setores econômicos e sociais, o presidente parece determinado a manter a imagem de força, mesmo diante de circunstâncias adversas.


Por outro lado, a situação levantou debates sobre a necessidade de reformular protocolos relacionados à transferência de poder em casos de saúde. Especialistas sugerem que o Brasil poderia adotar práticas mais claras e automáticas, evitando que decisões tão importantes fiquem à mercê de interpretações pessoais ou políticas.


O episódio também reacendeu discussões sobre a sucessão presidencial e o papel de Alckmin no governo. Apesar de ser um político experiente, com forte influência no setor empresarial, Alckmin ainda é visto por muitos como uma figura secundária na gestão petista. Sua atuação neste momento poderia ter sido uma oportunidade de reforçar sua posição como um vice confiável e preparado para situações de emergência.


Enquanto Lula segue se recuperando, a expectativa é de que ele retorne a Brasília nos próximos dias, retomando sua agenda política e administrativa. O episódio, no entanto, deixa marcas na gestão petista, levantando questionamentos sobre como o governo lida com crises de saúde e sua relação com a transparência institucional. Resta saber se a escolha de Lula será lembrada como um ato de coragem ou como uma falha de liderança em um momento crítico.

Tags

#buttons=(Accept !) #days=(20)

Our website uses cookies to enhance your experience. Check Now
Accept !